domingo, 4 de março de 2012

O aparente Micro que é Macro


Estava lendo a reportagem “A lei americana de Recursos Educacionais Abertos” e me lembrei na hora do Brasil! De um tema que há muito quero levantar e acabo tratando de outras coisas. Trata-se da Ditadura do PDF!

Como todos nós cometemos erros, mas evoluímos, espera-se, também já cometi este. Mal influenciado por uma ideologia dominante na rede particular, onde sempre trabalhei até passar no concurso do Cefet-MG, montei meu primeiro site com material em .pdf: o Física no Vestibular. Na época, além de emails, não entendia bulhufas de rede... Mas, já tinha a semente do compartilhamento. Tanto que as aulas em PowerPoint que dei até 2005 na Faculdade Novo Rumo, disciplinas várias na área Nuclear, compartilhei na rede e fazem muito sucesso, gerando centenas de milhares de visualizações. Bem como as aulas que usava ainda nos fins dos anos 90, no pré-vestibular! Tinham acabado de comprar o novíssimo “datashow”!

A proposta do meu novo blog, o Física no Enem, é outra: compartilhar, tudo o que possível. E aí entra a história da ditadura...

Antigamente, ainda se achavam Words (.doc) na rede: universidades publicavam provas de vestibular em Word, pessoas postavam documentos, trabalhos, etc. E veio a onda proprietária: de uns anos para cá, só .pdf! Praticamente tudo o que é relevante está em .pdf! Um edital de concorrência pública, uma sentença do judiciário, até vá, mas...

Qualquer professor com recursos e interessado no bom aprendizado de seus alunos hoje consulta e utiliza a rede. Vejamos quantos professores. No Inep, encontro dados de 2009. Seriam  1.977.978 (fora o Ensino Superior) no total e, apenas no Médio  461.542, quase meio milhão! Agora, pensemos...

Em 2009, foi lançado o Novo Enem, até no nome, inédito, recente, inovador. Se você for exemplificar para os seus alunos, vai usar questões antigas de vestibulares, completamente distintas desta proposta, ou das poucas provas que ocorreram desde então? Parece claro: usar as provas do próprio Enem. O formato e a ideia das questões é outro! Aí, o Inep (governo) divulga as provas apenas em ... .pdf!

O que o governo espera? Que meio milhão de professores editem centenas de questões em .pdf? Já pensou em quanto trabalho repetido, à toa, jogado fora? Afinal, se um apenas fizesse, poderia distribuir para 460 mil! De preferência, quem fez a prova! Quanto recurso, quanto dinheiro mesmo, quanto tempo o país desperdiça com este “detalhe”?

Você que está lendo: já tentou “transformar” um .pdf em Word, o trabalho que dá? Todos os programas que conheço e que fazem isto apresentam algum tipo de falha, nunca vi ficar perfeito, o esforço é gigantesco se quiser boa qualidade!

Os grandes grupos particulares na educação têm quem faça isto pelo professor, mas... Costumam entregar a seus funcionários (na rede particular o professor é um simples funcionário, por mais que muitos acreditem que não) o trabalho, ou seja, as questões separadas por assunto, por habilidades, etc. em ... .pdf! Têm receio de que alguém “roube” o produto deles! Afinal, na rede particular educação é mercadoria, infelizmente, à venda. É isto... Triste, mas é. Agora, nas particulares menores, a maioria esmagadora, nem isto: você que se vire, e muitas vezes é exigido que se vire! Problema seu!

Por outro lado, já imaginou se apenas as universidades FEDERAIS (PÚBLICAS) disponibilizassem as provas dos vestibulares em simples Word? O Inep (PÚBLICO) divulgasse o Enem, Encceja, Enade, em .doc? Quantas questões fáceis de usar teríamos na rede? Claro, pode soltar um .pdf, para comparação, já que em .doc ocorrem problemas de formatação, diferenças entre o original e o que é aberto em seu computador, mas em .doc TAMBÉM, E PRINCIPALMENTE! É do interesse de meio milhão de professores e dezenas de milhões de alunos e suas famílias! Nem vou dizer soltar em formato aberto, um Office livre, porque é pedir demais: o povo se recusa a aprender a usar! Prefere outra ditadura: a do Windows!

Veja o absurdo! Vou eu corrigir o Enem 2010 para distribuir, de graça, e...


O famigerado quadradinho! O comando de copiar e colar não funciona! O Inep (governo) não deve querer que eu use a questão do Enem para ensinar para o próprio ... governo, onde eu trabalho! E para o público, que me paga! Nunca consegui desfazer este problema! Se souber, alias, me ajude! Em .pdfs assim, só copiando como figura... Já tentei vários tutoriais, instalar fontes, nada... Ridículo!

O M.I.T., com a fama toda, disponibiliza aulas e cursos na rede. O MIT, heim! Eu mesmo já assisti às aulas no YouTube, usei simulações de computador! Já nós...

iniciativas neste sentido... Ínfimas, em face das necessidades! Pior que comparado com outros investimentos estes seriam até baratos! Por isto, admiro quem faz um trabalho público e bem feito, como o Mago da Física! O MEC, apesar dos avanços, que reconheço, apóio e admiro em alguns casos, como o próprio Enem, parece se preocupar mais em distribuir tablets do que com o dia a dia dentro da sala de aula das dezenas de milhares de escolas deste país!

Poderíamos há anos ter um banco de questões, público, separado por assunto, por dificuldade, por série...! Somente com as questões que as FEDERAIS (PÚBLICAS) andaram usando nas últimas décadas em seus vestibulares daria um puta arquivo!  Um banco de provas, prontas, por assunto, por dificuldade, abertas, fechadas, por que não? Nosso aluno não faz e fará provas concebidas por outras pessoas? Em muitos casos teriam até melhor qualidade! Uns dez professores capacitados, por disciplina, teriam feito este banco em alguns anos de trabalho, para meio milhão de professores! Uns 100 professores, no máximo, em meio milhão, mais o povo da informática para operacionalizar.

Só quem nunca deu aula não pode imaginar o tempo, o esforço, o trabalho hercúleo que isto pouparia aos professores! Que usariam esta sobra de tempo com suas famílias, para melhorar a qualidade da Educação, para preparar outras atividades interessantes que nos cobram tanto, para adquirir mais capacitação – também tão cobrada –  e mais cultura... Mas, não... Trabalhe na rede particular e dê umas 50 aulas por semana para você ver quantas questões você deve entregar por bimestre! Quantas provas! Burrice: a qualidade do trabalho cai!

Por que não temos alguns milhares de aulas públicas, ótimas, em PowerPoint?

Nem um curso de Física Experimental, ainda, para dezenas de milhares de escolas que não têm um laboratório sequer! E cada laboratório é investimento de dezenas de milhares de reais! Pegue uns quatro professores da rede federal, um laboratório, dispense-os de quase todas as aulas, e estes 4 são capazes de filmar isto em um mísero ano! A turma da informática edita e põe na rede, de preferência no YouTube! Por que não o Mago, que já faz isto? Por que não acompanhar a prática filmada com uma planilha do Excel trazendo os dados que podem ser tirados desta prática? O aluno pode trabalhá-los, sem nunca ter pisado num laboratório... Mas, também não... Vamos fazer o quê? Comprar um Telecurso da Globo?

Darcy Ribeiro já denunciava o poderoso lobby do material didático na década de 80! E, ao que parece, mudou pouco. Pois o que vemos é o governo comprando e distribuindo dezenas de milhões de livros - o que eu uso já existia na década de 70! - todo santo ano, ao contrário de investir em um material público e gratuito, em .doc, versátil, que poderíamos, inclusive, personalizar, melhorar. Poderia ser impresso localmente! Sairia muito mais barato um material próprio, sem pagar pelos direitos autorais e pelo lucro! Professor público é que não falta, para isto!

É o que diz a reportagem lá do começo, nos EUA, onde não tem bobo nem nada! E olha que é a terra do “privado”! Vamos pagar às editoras mais quantos anos, quantas décadas, quantas dezenas de milhões $$$$$$$? Educação não seria uma área assim, estratégica, para deixar em mãos particulares? Quantas reportagens mais veremos de livros jogados fora, no lixo?

Se quisermos melhorar a qualidade da Educação, poderíamos muito bem começar com medidas simples, que impactam diretamente o cotidiano do professor dentro de sala, com os alunos, antes de pensarmos em distribuir notebooks e tablets! Parece que é o que diz o camarada aí nesta outra reportagem sobre a Finlândia. E eles estão alguns patamares à nossa frente. Como Cuba, onde nem dinheiro sobrando para gastar nestas coisas tem... Mas a Educação vai bem, obrigado!

Se pudesse começar amanhã distribuindo o que for público, como provas, em .doc, já tava bom... Já é um começo, ! Denota assim ... certa ... boa vontade para conosco.

5 comentários:

  1. Não adianta o governo largar .pdf e começar a usar um formato tão fechado e proprietário quanto o .doc.

    É preciso adotar exclusivamente formatos livres, de forma a obrigar uma transição para as alternativas (ou: já que não vai por bem, não vai pela responsabilidade das pessoas em usar formatos abertos, em procurar alternativas, vai pelo jeito mais difícil mesmo).

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  2. Se isto não afetasse diretamente o trabalho das pessoas, concordaria. A ideia da transição é a ideal. Porém, num mundo onde quase todos usam Windows, até dentro da escola, não dá para obrigar uma mudança repentina sem causar grandes estragos.

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  3. Opa Rodrigo,

    Já que vamos propor uma mudança (e toda mudança requer um esforço, que pode ser pequeno ou grande) que a mudança seja para dispor o material em formatos abertos (odt, ods, ogg, ogv, etc).

    Na boa, o cara que usa o Word/excell está intelectualmente capacitado para usar o LibreOffice.

    Daqui a 10 anos nós vamos garantir que o esforço continua válido. Se você optar pelo .doc daqui a 2 anos os docs poderão estar incompatíveis, pois os sistemas fechados são feitos para não serem interoperáveis...

    No mais, assino em baixo!

    abs

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    1. Concordo com tudo, menos no "timing" político. Sou pelo formato aberto, pelo software livre, pelo compartilhamento, etc. Mas, politicamente, a coisa só funciona por adesão. Lembro bem, no início do gov. Lula, quando encheram as federais de Linux e deu no que deu: os professores e funcionários EXIGIRAM a volta do Windows, se recusaram a usar o Linux, "na tora", e o investimento se perdeu. Vai ver lá, no Cefet-MG, na UFMG, se não é quase tudo pago! E olha onde: o meio acadêmico, onde a capacidade sobra! O Windows tem algo como 90% de penetração no Brasil, e isso é inegável. Assim, sou por uma coisa de cada vez... Primeiro, compartilha, medida simples, mais fácil, no formato que praticamente todos usam. Depois, migra. De uma só vez, e na marra, já deu para ver que não vai. Política requer adesão, consenso, e a adesão é voluntária. Vide Lei Sêca nos EUA, no que deu! Windows, Apple são uma espécie de droga, e estou convencido de que vicia! É justamente este, para mim, o maior erro que os ativistas do modelo aberto cometem! Pensarem que o software fechado é uma merda, e não é, e sendo minoria acreditarem que a esmagadora maioria "deve" segui-los, só porque a ideia é politicamente correta. Tem que convencer, primeiro. Ganhar na conversa, acostumar e, só depois, migrar.

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  4. Saindo um pouco da questão de extensões de arquivo, infelizmente a educação atualmente é tratada na maioria das vezes como uma mercadoria, com toda a certeza. Agora fica a reflexão: quem sai ganhando com isso? O conhecimento aberto, livre e gratuito traz muito mais benefícios do que qualquer direito autoral.

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