quinta-feira, 11 de junho de 2009

Quantidade versus Qualidade

Com a chegada do chamado NOVO ENEM, neste ano, uma discussão fundamental que se coloca para o Ensino Médio é a questão do Programa. E debates acalorados estão ocorrendo sobre a necessidade de se modificá-lo ou não. Conheço bem o programa da Física. Porém, em linhas gerais, alguns aspectos relacionados a ele, especificamente, são comuns aos programas de todas as disciplinas. A grande pergunta é: vale a pena ou não reduzi-lo?

Quem é contra argumenta na direção da qualidade do ensino. Simplificando, reduzir programa significa ensinar menos coisas em sala de aula. Particularmente nas chamadas Ciências Exatas, existe um temor de que se trate apenas superficialmente dos fenômenos físicos, químicos e do algebrismo matemático tão necessário à solução de problemas sofisticados. Num mundo onde conhecimento é poder, uma analogia simples leva à equação: + conhecimento = + poder. Há algumas pessoas, inclusive, que sugerem não a redução, porém a ampliação do conteúdo programático do Ensino Médio. É um ponto de vista a ser considerado. Com o qual, desde já esclareço que não concordo.

Inicialmente, posso dizer que ser “Ensinado” e ser “Aprendido” são duas coisas completamente distintas! E o fato de determinado conteúdo ser lecionado em sala de aula absolutamente não garante seu aprendizado. Aliás, não garante, inclusive, um bom desempenho do aluno nos vestibulares propriamente ditos. Há muitos anos leciono com materiais didáticos de distribuição nacional. Estes, por exigência dos próprios vestibulares, às centenas, costumam contemplar todo o conteúdo cobrado por todos eles. Não deixam nada de fora. O resultado prático mais evidente que eu e inúmeros outros professores notamos é a enorme sobrecarga de conteúdo! É dificílimo cumprir o chamado cronograma: trabalhamos sempre com a corda no pescoço, às vezes atrasados, marcando aulas extras para cumprir o programa. E, evidentemente, por obrigações profissionais, priorizamos o conteúdo em detrimento da qualidade do aprendizado. No fundo, é este último o que tem importância! Contudo, os próprios alunos, pressionados pela angústia do vestibular, nos cobram isto: conteúdo!

Também trabalho em pré-vestibular por tempo bastante para afirmar categoricamente: é impossível lecionar, com qualidade, todo o conteúdo de Física num curso intensivo, digamos, de 4 meses. Fazemos, vamos ver, performances que agradam aos alunos, e tudo bem. A propósito, digo o mesmo para o extensivo, onde disponho do dobro do tempo... Se ENSINAR fosse simples assim, uma questão de tempo, creio que metade dos problemas da Educação estariam resolvidos! Há muito, inclusive! Por exemplo, quando o número de dias letivos foi aumentado de 180 para 200 por ano, tivemos um acréscimo de 11,1% na carga horária. A QUALIDADE do aprendizado deveria ter aumentado na mesma proporção. Não só isto não ocorreu como, em alguns casos, a qualidade piorou! E os professores pagaram o pato trabalhando mais! Detalhe: na época em que isto ocorreu, nós, professores, não ganhamos nada a mais por este mês - útil - acrescentado aos dias letivos. Ainda sobre o tempo de estudo, lembro-me que em meu Ensino Médio havia 5 horários - aulas - por dia. Agora, na maioria das particulares, são 6, 20% a mais. Fora horários à tarde, comuns no 3º Ano, por exemplo, mais pré-vestibular, para alguns. Nada, nada disto, garantiu qualidade... Penso até que, somando-se os cursos de língua, esportes, etc, anda faltando é tempo para alguns alunos estudarem sozinhos, já que aprendizado é algo individual.

Semana passada lecionei dois tópicos que considero completamente dispensáveis: Trabalho da Força Elétrica, em Eletrostática, e Equação dos Fabricantes de Lentes, em Óptica! Como estes, há vários conteúdos que não só eu, especialistas muito mais gabaritados em Educação questionam como de fato necessários ao Ensino Médio. Em particular, sempre critiquei o algebrismo exagerado! Veja as provas resolvidas e comentadas no meu site “Física no Vestibular”! E, investi tempo tratando destes assuntos... Por sinal, mais raros nos vestibulares!

Cito meu próprio exemplo pessoal como ilustração da inutilidade de um programa tão detalhista. Cursei dois Ensinos Médios (2º Grau): técnico, no CEFET/MG, à noite, e científico, em escola particular, pela manhã. Passei em 1º lugar em Física na UFMG. Posso ser considerado um “bom aluno”. Durante o primeiro ano de faculdade, ainda estudei à noite no CEFET – à noite eram 4 anos. Um belo dia, deparei-me pensando na quantidade de coisas que tinha estudado para passar no vestibular e constatei que, mesmo sendo um “bom aluno”, e fazia poucos meses que havia me formado no Ensino Médio, simplesmente já tinha me esquecido de uma grande parte do conteúdo que, supostamente, eu houvera APRENDIDO!

Ouvi em entrevista o Ministro da Educação citando que o Brasil tem um dos maiores programas do Ensino Médio do mundo! Não posso sequer discutir, pois não conheço o dos outros países. Também o vi afirmar que a “tendência do conteúdo é diminuir”. O que julgo com bons olhos!

Afinal de contas, de que adianta um programa enorme e uma aprendizagem pífia! Na lida em sala de aula, mesmo na rede particular, deparamo-nos com alunos trazendo dúvidas básicas sobre leitura e interpretação de textos – aliás, temos que priorizar a Língua Portuguesa! –, razões e proporções, soluções de equações simples de 1º e 2º graus, gráficos, noções de trigonometria... Tudo básico! Há pouquíssimo tempo um aluno me perguntou se “menos com menos sempre dava mais”! Ave Maria! E eu tenho que ensinar “só” a Física...

Acho, honestamente, muito mais sensato, a esta altura do campeonato, cuidarmos da qualidade! Quando conseguirmos entregar, ao final do 3º Ano do Ensino Médio, alunos que saibam ler e escrever qualquer coisa, sem problemas, que dominem matemática básica, que conheçam os principais fenômenos físicos, químicos e biológicos e sejam versados nas humanidades, aí sim, cabe uma discussão sobre o que incluir, a mais. Até lá, é prudente e sensato reconhecer o exagero do programa do Ensino Médio! Tratarmos de garantir, pelo menos, um aprendizado mínimo para este mundo tão complicado em que vivemos.

3 comentários:

  1. Pondo lenha na fogueira: o NOVO ENEM é um passo no sentido do que poderia ser um último parágrafo de seu artigo, a garantia de acesso ao ensino universitário público e gratuito. Enquanto esse direito for negado à maioria, continuarão existindo os pré-vestibulares, cuja principal preocupação é "passar" seus alunos. E essa discussão sobre "cuidarmos da qualidade" continuará comprometida.
    Os cursos pré-vestibulares são uma verdadeira anomalia na educação. São uma negação da busca do saber e da universalização do ensino.
    Sálvio

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  2. Com certeza, sou aluno de pré-vestibular e digo, estou aprendendo muito mais nesse ano do que quando cursava o ensino médio em uma unidade de ensino pública.

    Movimento Circular? força centrípeta? Nunca vi isso no ensino médio!

    Excelente texto!
    Parabéns!

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  3. Sábias palavras, Mestre. Há quanto tempo tentamos ensinar o "Ó do Borogodo" para alunos que não sabem nem ler, nem escrever, nem resolver uma regra de três...E isso no Ensino médio, em 3 anos, que dira nos supermegablasterintensivos. Vamos nos ater a realidade. Nós só "ensinamos 5%" dos nossos alunos. Os outros são viajantes espaciais, e aí a educação passa e a ser exclusivista.

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